sábado, 10 de outubro de 2009

O aborto e a ética

Discutir a questão do aborto tem se tornado cada vez mais polêmico e complicado. O porquê, todavia, eu não sei. Afinal, convenhamos, a lógica elementar – antes de qualquer critério ligado à fé ou à ideologia – nos diz que o direito à vida, por óbvio, deve sempre prevalecer sobre algum outro. Mas pretendo iniciar este texto a partir da minha concepção pessoal sobre o aborto.

Eu nunca fui favorável à prática do aborto, mas entendia, a partir de uma ótica bastante liberal, que isso era uma questão individual, razão por que o Estado não precisaria se imiscuir na contenda. Alguém quer fazer? Que faça, mas que arque com as consequências morais da escolha – que, admita-se, não devem ser pequenas.

Há pouco mais de um ano, passei por uma experiência, digamos assustadora. Estive frente a frente com a morte. Um órgão, um transplante e uma equipe competente e dedicada de médicos, juntos principalmente com a vontade de Deus, me restituíram a vida. Não vou entrar nos detalhes dos pensamentos que me passaram nesses momentos mas passei a ter um enorme respeito pela vida, sua fragilidade e o que ela representa em nosso crescimento pessoal.

Da mesma forma, aprendi a partir de um despertar inesperado de sentimentos novos, que o aborto é intolerável. Mas, alto lá! Isso eu já sabia… Qual foi a principal mudança, então? Bem, passei a ver o aborto como aquilo que efetivamente é: algo criminoso e abjeto que deve, sim, ser combatido pelo Estado. Como se operou tal transformação? O que a embasou?

Explico: A discussão histórica em torno do aborto se dá entre o chamado grupo “pró-escolha” e aquele “pró-vida”. O primeiro defende que a mulher é senhora de seu corpo e, portanto, pode decidir o que fazer com ele. O segundo, por outro lado, apega-se à defesa intransigente do direito à vida, razão pela qual rejeita uma intervenção como o aborto. Sob o aspecto estrito do choque de direitos, entendo que o aborto simplesmente não se pode justificar. O direito à vida é a essência da civilização, situando-se acima de qualquer outro de forma definitiva. Permitir que haja uma escolha que termine causando a morte de outrem é condescender com a barbárie. Simples assim. Percebam: nenhuma debate retórico pode negar o óbvio.

Mais recentemente, porém, os grupos “pró-aborto” passaram a adotar outro enfoque. A discussão central foi espertamente modificada: em vez de debater o choque de direitos – que condenava o aborto à derrota –, passou-se a discutir o início da vida humana. E aí apareceram uma enxurrada de teorias.

Há a posição conhecida da Igreja Católica, que fala no início da vida com a fecundação. Há uma corrente científica que fala na vida a partir da segunda semana de gestação. Há aqueles que ligam o início da vida ao desenvolvimento completo do sistema nervoso do feto. Além de tantos outros, cada um mais especialista que o outro no assunto.

O que eu acho? Bem, eu me recolho a minha insignificância humana e digo que não tenho autoridade para dizer quando começa a vida do ser humano. Nem eu, nem ninguém! Por isso me oponho, inclusive, ao aborto dos chamados “fetos anencéfalos”, já que a civilização, para que seja entendida como tal, não pode agir como senhora da vida e da morte. Em outras palavras, o ser humano não pode decidir quando uma vida é viável e quando pode ser descartada. Quem faz isso são os bárbaros, não nós.

Há ainda outro aspecto que me preocupa bastante: quem guardará os guardiões? Isto é, uma vez decidido que um determinado feto, portador de uma determinada moléstia, é – como é mesmo que eles dizem? - “inviável”, quem vai impedir que essa fresta aberta não se transforme na porta que nos levará, todos, ao inferno eugênico?

Pensem bem: hoje são os anencéfalos, amanhã podem ser os portadores de Síndrome de Down. Talvez um dia, diante dos infindáveis “progressos da ciência”, seja possível até mesmo “descartar” alguém que nasce com os pés chatos… Estou exagerando? Não creio…

De fato, hoje, a ciência parece provar empiricamente que os tais fetos anencéfalos são mesmo condenados à morte. Mas e depois? Por que essa ligeireza, essa pressa mesmo, em optar pela solução mais rápida? Por que não pensar que o futuro virá para salvar vidas, em vez de apostar que ele ratificará teorias de morte? Há coisa de poucos séculos atrás, crianças siamesas seriam atiradas em precipícios com base nas teorias de então… Vamos continuar atirando as nossas, hoje? A discussão parece ampla, eu sei. Difícil que seja diferente quando se trata deste tema. Mas me encaminho para um direcionamento conclusivo, garanto.

Há coisa de alguns dias, o diretório nacional do PT, o partido que nasceu sob a bandeira da ética, da transformação social e do progresso, decidiu punir os deputados federais Luiz Bassuma e Henrique Afonso. Os dois tiveram seus direitos políticos suspensos pelo partido e, agora, não podem votar nem receber votos, muito menos discursar em nome do PT.

Mais que isso: caso a direção nacional não reveja tal punição, os dois parlamentares não receberão a legenda petista para disputar a reeleição no próximo ano. Ao me deparar com a notícia acima, perguntei: o que terão feito de tão grave? Vai ver foram apanhados com dólares na cueca… Talvez tenham criado um mensalão para comprar apoio no Congresso… Quem sabe fabricaram dossiês contra adversários políticos… Ou então quebraram o sigilo bancário de um caseiro…

Que nada! Todas essas práticas, sabemos, são abertamente aceitas pela tal “ética” petista. Qual foi, então, o pecado dos deputados? Bem, tiveram a audácia de falar contra o aborto.

Percebam a que ponto chegou a inversão de valores ditada pela agenda politicamente correta e progressista: a ética petista, que não vê problema em perdoar os mensaleiros, pune com rigor aqueles que defendem os fetos; a moral do partido que preside o Brasil, capaz de receber de braços abertos gente como Sarney, Collor, Calheiros e Maluf, não tolera que se garanta aos bebês o direito de vir ao mundo; os valores da legenda que não viu problemas em “dar outra chance” para Delúbio, são os mesmos que negam aos bebês a única chance que estes têm. A construção que vou fazer pode soar um tanto forte, mas é inevitável: quando a ética petista é aplicada, inocentes morrem! Aliás, não morrem. São assassinados!

Notem que não se trata mais nem de se dizer contra ou a favor do aborto. Estamos falando do que é ética e moral, algo que o mundo ocidental civilizado já descobriu há muito tempo, mas que o Brasil do PT insiste em subverter.

Bem, verdade seja dita: a crise moral que se vê em episódios como o aqui relatado não é apenas do PT. É de todo o consenso progressista e politicamente correto que tomou o mundo de assalto. A gente moderna e humanista que pretende criar o tal “outro mundo possível”, não tolera a fome na África, o lucro do capitalismo e o desmatamento da Amazônia, mas consegue descartar seus próprios filhos com uma desenvoltura embasbacante. Vivemos, pois, sob a autocracia do pensamento que se mobiliza pelos filhotes de golfinhos, que critica a Coca-Cola e o tabaco, ao mesmo tempo em que não vê problema em estimular o assassinato de bebês.

Assassinato, eu disse? Sim, disse. Porque é disso que estamos falando quando o assunto é aborto. Ou alguém consegue, sem se deixar sugar pela verborreia da retórica contorcionista, diferenciar isto de um homicídio puro e simples?

Caso não conheçam o assunto, trata-se daquilo que o progressismo americano chama de “partial-birth abortion”, ou aborto com nascimento parcial. É o procedimento mediante o qual o bebê, já no último trimestre da gestação – isto é, praticamente pronto para vir ao mundo –, é morto covardemente a fim de interromper a gravidez. Repito: desafio qualquer um a me demonstrar como isso não seria um assassinato. Desnecessário dizer que, em fase tão adiantada da vida, o bebê já sente, ouve e, inclusive, se comunica com o mundo exterior.

E aqui, chegando ao final do texto, deixo diante de todos minha perplexidade. Que progressismo é esse, onde o “novo mundo”, a “justiça social” e a tal “igualdade dos homens” deve ser alcançada por meio de uma moral e de uma ética que tolera semelhante barbaridade?

Serei eu realmente tão conservador? Ou é a inversão de valores promovida pelo politicamente correto que subverteu o norte do mundo? Como acreditar em propósitos de paz perpétua quando o interlocutor não vê problema em admitir o homicídio de crianças?

Eu defendo o direito que as crianças têm de virem ao mundo, e não só o direito delas, eu defendo o direito à vida, seja em que condições forem. Não me acho no direito de decidir sobre a vida de quem quer que seja.

Talvez tenha ficado retrógrado e ultrapassado com o tempo. Mas não posso concordar com o assassinato de inocentes. Posso estar errado, mas tenho a consciência tranquila.

com a colaboração de Yashá Gallazzi

blog Construindo o Pensamento

Corumbá

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