sábado, 4 de agosto de 2012

Caldinho assassino

 Enviado por Luiz Caversan (*) – 04/08/2012


Os amigos, todos animados e festivos pelo fim do fim de semana delicioso na temperatura não menos agradável do inverno do Rio de Janeiro, fazem pedidos fartos: pizzas, frangos fritos, coquetéis, chopes, caipirinhas.

Não, obrigado, vou pegar leve, apenas um caldinho. Tem de feijão e de siri, o de siri é bom?

Ótimo, garante o garçom.

E lá vou eu de encontro à maior intoxicação alimentar que já sofri na minha vida, com direito ao cardápio completo: tonturas, calafrios, diarreia, vômito, absurdas dores abdominais, hospital, soro, buscopan, dramin, cloridrato de ciprofloxacino, uma semana perdida.

A febre finalmente está indo embora enquanto escrevo estas linhas, cinco dias depois da escolha errada no Diagonal, tradicional restaurante da zona sul do Rio --ainda tive que ouvir a piada de um amigo da onça, dizendo que a comida do diagonal entrou atravessada...

Uma semana praticamente no vazio por conta de reles xícara de caldinho de siri, crustáceo este que deve ter sido colhido no mesozóico ou apenas ficado fora da geladeira um dia inteiro.
Se você tivesse pedido um cheeseburguer com bacon e maionese não teria acontecido nada, vaticinou meu médico seriamente, com certeza confiando muito mais na pasteurização dos produtos industrializados do que na competência da culinária à beira brasileira, tão farta de delícias e paradoxalmente tão perigosa.

Uma semana de cama e cabeça oca, recolhido à mais humilhante insignificância do ser abatido por um caldinho, fez pelo menos alguns reparos a alma, seja aproximando-a da sensação da morte iminente (do caldo vieste ao caldo voltarás...), seja poupando-a da nefanda realidade de mensalões, debates infrutíferos de candidatos, resultados medíocres na Olimpíadas, trânsito infernal da volta às aulas, PMs matando e morrendo a granel.

O delírio da febre às vezes pode ser uma boa. Principalmente depois que passa...

Corumbá

* Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos "Cotidiano", "Ilustrada" e "Dinheiro", entre outras funções. Escreve aos sábados no site da Folha.