sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Vitória de Pirro

Rodrigo Constantino, para a Revista Voto

Após a batalha de Ásculo contra os romanos, o rei de Épiro, Pirro, teria dado uma declaração que se tornou famosa. Ao felicitar seus generais depois de verificar as enormes baixas sofridas por seu exército, ele teria dito que com mais uma vitória daquelas estaria acabado. Desde então, a expressão "vitória de Pirro" é usada para expressar uma conquista cujo esforço tenha sido penoso demais. Uma vitória com ares de derrota.

É exatamente isso que foi a vitória de Dilma Rousseff nesta eleição. O esforço para elegê-la, especialmente por parte do presidente Lula, sacrificou tantos valores, tantos princípios, que sua vitória só pode ser considerada um fracasso. Se Marina Silva “perdeu ganhando”, pois seu capital político saiu fortalecido com sua postura e seus vinte milhões de votos, então Dilma “venceu perdendo”. A que custo o PT conseguiu se manter no poder? A resposta resumida é bastante clara: ao custo de enfraquecer bastante nossa jovem democracia.

O presidente Lula foi o grande responsável por isto. Sua postura durante as eleições foi típica de um populista de olho somente no poder, custe o que custar. Um estadista saberia se manter mais afastado do embate eleitoral, lembrando ser o representante de todo o povo da nação, e não um simples chefe de partido. Um estadista, enfim, estaria de olho nas próximas gerações, lutando pelo fortalecimento de nossa democracia. Lula passou muito longe disso, focando somente nas eleições.

O presidente não só ignorou as funções de seu cargo, como foi o mais empolgado garoto-propaganda de sua candidata, ainda que para isso tenha ignorado diversas leis e as regras básicas de um jogo limpo. O uso da máquina estatal como instrumento partidário foi simplesmente escandaloso. Não obstante, o presidente Lula ainda desceu o nível, ridicularizou as leis eleitorais, banalizou a agressão sofrida pelo candidato tucano por manifestantes petistas, enfim, deu claros sinais de que o velho sindicalista das bravatas estava de volta. Tudo pelo poder.

O PT soube explorar o terrorismo eleitoral também, alegando de forma mentirosa que José Serra iria acabar com o programa Bolsa Família, ou que privatizaria a Petrobras. A tática de “acusar” os tucanos de privatistas, usada em toda eleição pelo PT, demonstra como a mentira é um método sistemático do partido. Afinal, o próprio PT fez diversas concessões ao setor privado, até mesmo no setor petrolífero, e incluindo empresas estrangeiras.

A bilionária OGX, de Eike Batista, só existe porque o governo Lula vendeu concessões de exploração do pré-sal. Se o PT fosse oposição, esta seria a típica arma usada para conquistar nacionalistas retrógrados e “acusar” o opositor de privatista. Como o PT é governo, então prefere jogar a coerência para escanteio. Perde o país, que continua preso numa corrente ideológica que joga contra o progresso.

A base aliada do PT também é prova de como o discurso ético do partido foi totalmente abandonado. Na verdade, a bandeira ética já havia sido totalmente destroçada com o “mensalão”. Restou focar apenas na economia mesmo. As velhas oligarquias nordestinas estavam todas com o PT. Para piorar, os inúmeros escândalos de corrupção, alguns envolvendo Erenice Guerra, braço-direito de Dilma que comandava a Casa Civil, foram simplesmente ignorados pelos eleitores, como Dirceu fora em 2006.

Este completo abandono da questão ética representa um enorme perigo para nossa democracia. A crença de que são “todos iguais”, que o próprio PT tentou espalhar, acaba sendo perigosa. Passa a ser uma carta branca aos corruptos, mesmo que pegos com a boca na botija. Atualmente, nenhum petista tem a mínima condição de defender uma bandeira ética, sem cair no ridículo. Perde a democracia, quando os eleitores mandam às favas a ética em troca de migalhas. Votar com o bolso, sem levar em conta aspectos éticos, representa dar passos na direção da servidão. A China cresce muito mais que o Brasil, e nem por isso devemos aplaudir seu regime político ditatorial .

Em suma, vencer uma eleição não deveria ser a única meta de um partido. Ao menos não de um partido que pretende colaborar com o regime democrático no país. Infelizmente, o PT vem dando claros sinais de que topa tudo por poder. O presidente Lula, após esta eleição, ficou mais parecido com Hugo Chávez, caudilho venezuelano que é seu camarada e que conseguiu destruir de vez a democracia em seu país, apesar de Lula ter dito que há “excesso de democracia” por lá. Foi Aécio Neves quem resumiu de forma sucinta: “O presidente Lula sai menor do que entrou desta eleição”. E eu acrescentaria: nossa democracia também.

Corumbá

Governadores aliados são o “cavalo de tróia” da CPMF

Enviado por João Bosco Rabello – 05/11

Só uma equivocada certeza sobre a ingenuidade política do cidadão brasileiro médio pode levar um governo com dois presidentes – um em fim de mandato, outra eleita – a fingir que nada tem a ver com a proposta de recriação da CPMF.

O movimento dos governadores aliados pela recriação do imposto tem a nítida digital do presidente Lula, até hoje inconformado com o único momento de oposição efetiva ao seu governo que também representou o fim da  perspectiva de um  terceiro mandato.

Com uma das maiores cargas tributárias do planeta, o Brasil viveu bem sem a CPMF porque já no ano seguinte à sua eliminação, seu valor de R$ 40 bilhões/ano foi reposto por uma arrecadação recorde.

O time de governadores que propõe sua volta funciona como uma espécie de “cavalo de tróia” para a vingança pessoal de Lula, iniciada ainda na campanha eleitoral, quando trabalhou intensamente para “extirpar” o partido que capitaneou sua derrota e, individualmente, candidatos à reeleição que se associaram à iniciativa.

Para ser fiel à uma das promessas de campanha que respondem pela sua eleição, a presidente eleita, Dilma Rousseff, precisaria ir além da singela declaração de que não tomará a iniciativa da recriação do imposto, mas que não desconhecerá o movimento dos governadores. Precisaria ter condenado a idéia.

Não criar impostos foi uma declaração formal da candidata que parece agora fazer uma sutil distinção entre a garantia dada ao eleitor e o comportamento pós-eleição: não estaria criando, mas permitindo a re-criação de um imposto. Dá no mesmo e sinaliza negativamente para sua independência com relação ao pai de sua candidatura.

O episódio serve também como primeiro teste para uma oposição que ainda lava a roupa suja de uma campanha em que entrou dividida e tardiamente e que pretende se reconstruir em bases mais orgânicas.

A proposta, com forma e conteúdo de traição ao eleitorado, só guarda coerência com a definição de “governo da continuidade” decisiva para a vitória de Dilma, pela associação com um país de economia estável e  de resgate social. Ainda que os alicerces desse cenário sejam negados ao governo antecessor.

Se for esse o conceito de continuidade, ele só prosperará se a sucessora de Lula também contar com  uma oposição omissa, o que parece mais remoto agora, em que pese o adjetivo “generosa” com o qual o senador Aécio Neves a definiu.

O que resta é a óbvia conclusão de que começa mal um governo que admite discutir aumento de imposto, principalmente se elegeu-se pregando o contrário.

Corumbá