quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O apagão e suas mentiras

Quem tinha um rádio de pilha na noite e madrugada do apagão pôde ouvir o que a princípio pareciam apenas informações desencontradas das autoridades federais a respeito das causas do problema.

Como apagões deixam todo mundo nervoso, como a rede de energia brasileira é enorme, como 96,6% da produção de eletricidade entra no sistema nacional interligado e todo esse assunto é tecnicamente muito complicado, a confusão parecia a normal das primeiras reações a desastres.

O desencontro começou a parecer desorientação e então negligência quando se percebeu que não havia aparentemente controle da situação. Ninguém parecia centralizar informações, ninguém passava orientações sobre o que esperar ou não esperar sobre o retorno da luz.

Hospitais, policiais, bombeiros, empresas de abastecimento de água e de transporte, serviços essenciais, precisam planejar emergências. Alguns telefonemas para vários desses serviços confirmaram a impressão da noite, de que não havia comunicação federal sobre a extensão do problema.

Mas o que era confusão desencontrada e, a seguir, desorientação e negligência confirmou-se a politicagem desprezível de sempre. Autoridades chutavam causas disparatadas para o acidente e procuravam se eximir da responsabilidade. E, como diria Lula, passaram a dar chutões para “se livrar da bola”.

Até o final da tarde de ontem, pelo menos, verificava-se que não havia autoridade a centralizar informações e orientações sobre o caso.

Isso é desgoverno, coisa de esperar de uma administração que nomeia Edison Lobão como ministro da área e entrega as estatais de energia à bocarra do PMDB.

Quando o dia já clareava, mas a escuridão politiqueira cobria o governo, a oposição acesa pelo oportunismo deu sua contribuição às trevas. Um senador tucano comparava o blecaute ao apagão de FHC. Um deputado "demo" dizia que estavam enterradas a imagem de gerente e da candidatura de Dilma Rousseff, ex-ministra da área e executiva-mor de Lula. Ninguém dessa oposição rastaquera foi procurar técnicos a fim de cobrar boas explicações do governo. Dilma, por sua vez, deu o vexame de fugir e sumir.

O apagão de FHC, na verdade um longo racionamento mesmo em período de baixo crescimento econômico, foi uma combinação extraordinária de descaso grosseiro, ideologia mercadista e azar climático.

Hoje não falta energia no país, até um pouco por sorte - a crise deu tempo de recompor "reservas" de energia (como a de gás e de água nas hidrelétricas), choveu muito etc. E houve muito mais investimento, especial em transmissão de energia - a rede cresceu cerca de 29% nos anos Lula, expansão 60% maior que a dos anos FHC. Há mais gás, canos de gás, grandes hidrelétricas em construção. No atacado da eletricidade, ao menos, Lula tem desempenho muito melhor que o de FHC.

Ainda não se sabe a causa do apagão, nem ainda é possível acreditar no governo, que ontem não conseguia confirmar nem se houve garoa na região onde o tempo ruim teria estragado a linha de transmissão, no Paraná.

Para piorar, falaram de novo em queda de raios, história suspeita desde o apagão de 1999, dos raios de Bauru. Na minha opinião, a pior das desculpas (ou das causas) visto que pode voltar a ocorrer se chover novamente – transmite intranquilidade.

Não dá para dizer que houve inépcia técnica. Na política, a carga de mentiras é alta e ainda chocante.

baseado em texto de Vinícius Freire

Corumbá

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A crítica é necessária

Bastou um artigo mais forte (mas vazado em termos políticos) do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado no jornal O GLOBO de 1/11, para que a fúria do Olimpo desabasse sobre a oposição.

O presidente Lula apelou para Hitler. A ministra Dilma Rousseff, que ainda não é candidata mas já age como candidata (o que não é muito correto), engrossou o caldo: "Forças do passado, patéticas e desconexas, usam de esmurradas (sic) táticas para confundir as pessoas, dizendo que os oito anos de governo do PSDB no país são semelhantes aos oito anos de governo do PT. Eles morrem de medo de comparar nossos governos com os deles e os nossos projetos com os deles. São países completamente diferentes."

Ficamos no plano dos adjetivos, e de uma retórica, esta sim, ultrapassada. Será que é isto o que espera o eleitorado brasileiro, numa campanha que, tecnicamente, ainda nem começou?

O povo brasileiro tem as suas intuições na hora de votar, e cada eleição é uma eleição. Em 1994 e 1998, preferiu Fernando Henrique a Lula - porque o Plano Real tinha mudado profundamente a vida do país, e Lula era contra o Plano Real. Em 2002 e 2006, preferiu Lula a Serra e depois a Alckmin - porque deve ter achado que era a hora de dar uma chance à oposição. E essa alternância de poder é a própria alma da democracia; impede que esquemas políticos envelheçam e até apodreçam.

Mas o Lula de 2002 já não era o de 1989; e, com grande sabedoria, resolveu manter a política econômica então vigente, enfrentando, para isso, todas as instâncias ideológicas do seu próprio partido. Só ultimamente é que ele parece mudar de rumo, o que deve ser, em boa parte, fruto da embriaguez do sucesso. Mas o sucesso não teria vindo sem a base sólida - política e econômica - que ficou dos oito anos de FHC. Nesse caso, como falar em "dois países", em dois projetos totalmente diferentes?  Parece que o PT está sem argumento nessa campanha.

O presidente Lula parece ter alguma diferença pessoal com o ex-presidente FHC. Daí voltarem sempre as comparações entre operário e professor, que teriam sido resolvidas a favor do operário. São questões pessoais. Mas as próximas eleições não vão pôr frente a frente o operário e o professor. É impróprio e inútil ficar repisando o que já passou, e insistir em que o mérito está todo de um lado. A verdade é que, de 1994 a 2009, o Brasil avançou muito, até a posição realmente privilegiada que desfruta hoje. Esse crescimento do país é incontestável!

O que o eleitor vai querer saber, a partir de agora, é o que vai ser feito desse legado. A oposição já está descobrindo alguns temas - como os que o ex-presidente FHC levantou.

Mesmo sendo o cenário, hoje, favorável, vamos continuar insistindo no rumo de agora - o de uma hiperpresidência que açambarca todo o quadro político, que achata os partidos, atropela outros poderes da República (como se viu na grande crise do Senado)? É de um homem (ou mulher) providencial que precisamos? Ou vale a pela retomar, o quanto antes, a evolução institucional que permitiu, em 2002, uma tranquilíssima transferência de poder? Será antipatriótico fazer críticas ao modelo vigente? Ou a crítica, como em qualquer país bem resolvido, é parte essencial do processo político?

São as questões que, logo logo, precisarão ser debatidas. Desqualificar de antemão qualquer crítica é um cacoete fascista, que tínhamos abandonado, e que não fará bem algum ao país.

E o debate é fundamental num regime democrático. Vamos torcer para que prevaleça a apresentação de ideias, os projetos e as propostas para mantermos em crescimento esse novo país que é de todos nós.

Corumbá

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Que risco?

Quando você pensa que, de tanto ler os clássicos, de Machado de Assis a João do Rio e a Rubem Braga, já adquiriu domínio suficiente da língua para dormir tranquilo, a mídia o atropela com novidades. Como na primeira vez que li que Fulano estava correndo "risco de morte". Pensei que tivesse lido errado.

Ninguém mais corre risco de vida, só de morte. Ou seja, não é mais a vida que está em perigo. Suponha que alguém resolva atravessar uma avenida com o sinal fechado, zanzando entre os carros. Até outro dia esse gesto poria sua vida em risco. Não mais. Hoje, segundo a nova língua - adotada por jornais, rádios, TVs, internet e o locutor da pamonha -  o sujeito corre risco de morte. Quer dizer: está ameaçado de não morrer nunca, mesmo que os carros lhe passem por cima.

Outra praga: a palavra "pontual". Era usada para descrever uma pessoa ou fato que chegava ou acontecia na hora marcada. Agora significa algo isolado, específico: "A falta de remédio no hospital xis é pontual". Um amigo me perguntou: "Quer dizer que a falta de remédio chegou na hora certa?".

E tenho gastrite no avião quando a aeromoça anuncia: "Para informações adicionais, procure nosso pessoal de terra". Ela quer dizer "para mais informações". E não consigo conter o riso ao ouvir: "Fulaninha me adicionou como sua amiga no Orkut". Note bem, adicionar não está errado - é latim para somar. Mas, da maneira como a turma o usa, é internetês castiço, traduzido diretamente do burrês.

O bom do ridículo é que ele não se enxerga. Um filme de 1929, "A Megera Domada", com Mary Pickford, baseado em Shakespeare, foi lançado em duas versões: muda e falada. Nesta última, era preciso dar um crédito na tela para as falas. O produtor sapecou: "Diálogos adicionais por William Shakespeare".

Ridículo é pouco!

baseado em texto de Ruy Castro

Corumbá

domingo, 8 de novembro de 2009

Caetano novamente patrulhado

Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, a “esquerda” brasileira (seja lá o que for isso) volta a patrulhar Caetano Veloso.

Se na ditadura lhe cobravam posição, agora o atacam por tê-la. Os críticos são os mesmos, as situações, inversas.

Caetano revelou-se dos poucos machos políticos dessa era Super Lula. Na semana passada, corajoso, chamou Lula de "analfabeto" e "grosseiro" após ser questionado sobre as eleições presidenciais de 2010:

"Pode botar aí. Não posso deixar de votar nela [Marina Silva]. É por demais forte, simbolicamente, para eu não me abalar. Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é uma cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro."

No, digamos, subperonismo que nos encontramos, são raros os políticos que questionam Lula e seus 70%. Os artistas, então, viciados em Petrobras, Eletrobrás, isenções fiscais e vales culturais, ou se calam ou bajulam (ou estou enganado?). Só sobrou a imprensa independente, que por isso é acusada de partidária, e Caetano Veloso.

Mas Lula não aceita (mais) desaforo. Do pedestal que a história lhe ergueu, acima de tudo e todos, parte sempre para o ataque.

Falando em festa do PC do B em São Paulo, no mesmo discurso em que comparou táticas do PSDB às de Hitler, Lula, o aliado de Ahmadinejad, disparou contra Caetano:

"Tem gente que acha que a inteligência está ligada à quantidade de anos de escolaridade que você teve. Não tem nada mais burro que isso. A universidade te dá conhecimento. Inteligência é outra coisa", disse o petista, acrescentando, com o seu tom cada vez mais vingador do futuro: "Quem diz o que quer ouve o que não quer".

Mas Caetano, que não disse o que Lula disse que ele disse, não se intimidou. Respondeu ao presidente, com elegância, um dia depois, em show em São Paulo.

Disse à plateia que a semana havia sido marcada pela morte de duas grandes personalidades, Neguinho do Samba, fundador do Olodum, e o antropólogo judeu-francês Claude Lévi-Strauss.

Disse que, apesar de todos os títulos e cadeiras acadêmicas de Lévi-Strauss, Neguinho do Samba, sem quase estudo, foi mais importante para ele e tanta gente brasileira por ter inventado a seminal batida do Olodum, depois espalhada por Paul Simon e Michael Jackson.

(Aproveitou ainda para reclamar, com razão, que ninguém da imprensa o ligou para falar de Neguinho do Samba, enquanto foi muito procurado para comentar sobre o antropólogo. Pelo menos a crítica à imprensa o une a Lula.)

A música é a grande arte do Brasil, e a mais popular, tanto na fonte criadora como no consumo.

Caetano é o mais inventivo de nossos músicos vivos, o mais inquieto, inteligente, corajoso. Devemos ouvi-lo, agora roqueiro, com um power trio de sonoridade máxima.

Seu show está muito bem calibrado, com revisitas marcantes a clássicos como "Irene", "Não Identificado", "Maria Bethânia". Isso me fez lembrar que Caetano poderia ter reivindicado, como muitos dos patrulheiros petistas, uma Bolsa Ditadura por ter se exilado em Londres na ditadura militar, em pleno sucesso. Como tem feito muito petista que era menino de 10 anos à época.

Mas o genial Caetano quer cantar, quer opinar. E seu espírito inquieto bate de frente com esse quase autoritarismo popular.

O rolo compressor lulista está pronto para esmagar toda voz dissonante que questione o governo, seus feitos, seus planos e sua retórica. Os políticos estão com medo, calados, o povo, extasiado com os carros e lavadoras no crediário.

Mas Caetano falou. E foi aplaudido de pé em Moema.

Por isso ele canta, não pode parar. E os cães ladram.

participação Sérgio Malbergier

Corumbá