sábado, 5 de junho de 2010

Dossiês petistas

André Vargas é secretário de comunicação do PT. Se André Vargas é petista, eu não gosto de André Vargas. Mais que isso: eu desconfio sempre de André Vargas. Se ele dissesse que viagens no tempo são fisicamente impossíveis, eu passaria imediatamente a acreditar nelas; se ele dissesse que fantasmas não existem, eu passaria a procurar por eles; se ele afirmasse que Cuba é uma ditadura, eu… simplesmente não acreditaria!

Isso porque André Vargas, por ser petista, está sempre tentando trapacear, “trucar” o seu interlocutor. Mesmo quando tenta ser claro e objetivo, um petista não consegue perder o péssimo hábito de passar uma rasteira na lógica, sempre tendo como fim último o assalto à democracia.

Sobre o episódio do dossiê contra José Serra, André Vargas disse o seguinte: “A ordem da campanha é não fazer dossiês.” Notem que parece algo terminativo, como que para colocar um ponto final em qualquer especulação. São os petistas tentando mostrar ao País sua lisura, sua seriedade. Em vão, é claro…

Que tal um exercício rápido de interpretação de texto? Pois bem, se “a ordem da campanha é não fazer dossiês”, é lícito supor que o assunto foi pelo menos debatido. É isso que as palavras de André Vargas denotam. Basta lê-las. Ele não teve a intenção de dizer algo nesse sentido? Até pode ser que não. Mas, a meu ver, tal hipótese seria ainda mais grave, afinal, deixaria transparecer um ato-falho enorme, quase como se o petista tivesse deixado escapar algo que guardava em seu subconsciente.

Se a Ferrari diz que “a equipe decidiu não privilegiar nenhum dos seus pilotos no mundial de F1”, pode-se concluir que o assunto foi ao menos debatido internamente. Caso contrário, por que tergiversar a respeito? Se eu digo que decidi viver para sempre na cidade em que moro, é de se supor que no passado eu tenha considerado, ainda que “en passant”, a possibilidade de me mudar. Está tudo lá, incrustado nas palavras que André Vargas deixou escapar. Ao alcance de qualquer um que pretenda usar a lógica.

Só não entendo por que esse negacionismo do PT. Não são, pois, os vassalos de Lula, o Presidente mais popular da história do universo tal qual o conhecemos? Não pertencem ao partido do homem que é amado, idolatrado e endeusado pelo povo “dessepaiz”? Por que diabos ficar procurando palavras para negar a elaboração de um dossiê contra José Serra? Por que não entrar logo de carrinho, dizendo algo como: “fizemos mesmo, e daí? Vão fazer o quê? O povo está conosco e vai continuar conosco. Fizemos porque essa é a única forma de derrotar ‘azelite’ que querem destruir o Bolsa-Família feita pelo Presidente Lula.” E pronto. Dilma não perderia nada nas pesquisas e a aprovação de Lula, arrisco-me a dizer, até cresceria.

O Brasileiro, está posto, não dá a menor bola para o discurso ético. Somos o País da corrupção, do jeitinho, da trapaça rasteira. Se o PT faz um dossiê para prejudicar Serra, isso seria tido como uma jogada esperta por parte dos eleitores de Lula, que já se mostraram dispostos a perdoar outros casos idênticos. Aliás, nunca é demais lembrar que os fiéis do lulismo já perdoaram até o mensalão! Quando lembro que Collor viu o povo nas ruas por causa de um FIAT Elba, quase sinto pena do “oligarquinha da mamãe”…

Então, por que insistir em adotar um discurso que não combina nem um pouco com o PT? Hoje, petista falando em ética é quase como Dunga falando em futebol-arte. Ao contrário do que pensam alguns caciques petistas, o povo não abraça Lula porque vê no governo atual uma vanguarda ética e progressista. Ele abraça Lula porque Lula é o messias. O redentor. Aquele que nasceu de mãe analfabeta, saiu do sertão no pau-de-arara, “lutou” contra a ditadura e virou Presidente. É, enfim, “gente como a gente”. Por isso estão – e estarão – sempre com ele. Não importa quantos dossiês sejam feitos, afinal, como dito antes, tudo poderia ser justificado como algo necessário para deter uma eventual vitória “dazelite”…

Não! O PT deveria aprender com José Serra, e se vestir de coragem. O que fez Serra ao saber do dossiê? O óbvio: apontou o dedo para o PT e acusou a “experiência” que os mensaleiros de Lula têm no assunto. Tudo perfeito, digno de um estadista do primeiro mundo.

Só que o Brasil não é o primeiro mundo… Aqui, em “banânia”, o povo não liga se o partido do Presidente é trapaceiro, se deputados se compram e vendem mutuamente, ou mesmo se algum “menino do MEP” acusa o primeiro magistrado do País de molestá-lo. Aqui só interessa louvar Lula e proteger o “Presidente operário” dos golpes tentados “pelazelite”.

Em resumo, temos que tanto Serra, quanto o PT – aquele mais que este -, ainda não perceberam o abismo moral no qual o lulismo mergulhou “essepaiz”. Serra, acreditando que o discurso ético ainda pode colar, tenta apontar o dedo para os petistas e esfregar a culpa evidente deles na cara dos brasileiros. O PT, por outro lado, insiste em negar o óbvio, atrapalhando-se com as palavras como um moleque que é apanhado assaltando a geladeira às escondidas.

Ambos superestimam a decência do povo brasileiro, uma gente cuja maior ambição é ver um bando de onze mulambos disputando um torneio de futebol, e cujos principais produtos de exportação são a miséria e a nudez.

Pensando bem, nem entendo o que levaria tanta gente a desejar chegar à Presidência de semelhante lugar…

baseado em texto de Yashá Gallazzi

Corumbá

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Carta para o Chico Buarque

Enviada por José Danon*, em 02/06


Chico, você foi, é e será sempre meu herói. Pelo que você foi, pelo que você é e pelo que creio que continuará sendo. Por isso mesmo, ao ver você declarar que vai votar no Lula “por falta de opção”, tomei a liberdade de lhe apresentar o que, na opinião do seu mais devoto e incondicional admirador, pode ser uma opção.

Eu também votei no Lula contra o Collor. Tanto pelo que representava o Lula como pelo que representava o Collor. Eu também acreditava no Lula. E até aprendi várias coisas com ele, como citar ditos da mãe. Minha mãe costumava lembrar a piada do bêbado que contava como se tinha machucado tanto. Cambaleante, ele explicava: “Eu vi dois touros e duas árvores, os que eram e os que não eram. Corri e subi na árvore que não era, aí veio o touro que era e me pegou.” Acho que nós votamos no Lula que não era, aí veio o Lula que era e nos pegou.

Chico, meu mestre, acho que nós, na nossa idade, fizemos a nossa parte. Se a fizemos bem feita ou mal feita, já é uma outra história. Quando a fizemos, acreditávamos que era a correta. Mas desconfio que nossa geração não foi tão bem-sucedida, afinal. Menos em função dos valores que temos defendido e mais em razão dos resultados que temos obtido. Creio que hoje nossa principal função será a de disseminar a mensagem adequada aos jovens que vão gerenciar o mundo a partir de agora. Eles que façam mais e melhor do que fizemos, principalmente porque o que deixamos para eles não foi grande coisa. Deixamos um governo que tem o cinismo de olimpicamente perdoar os “companheiros que erraram” quando a corrupção é descoberta.

Desculpe, senhor, acho que não entendi. Como é, mesmo? Erraram? Ora, Chico. O erro é uma falha acidental, involuntária, uma tentativa frustrada ou malsucedida de acertar. Podemos dizer que errou o Parreira na estratégia de jogo, que erramos nós ao votarmos no Lula, mas não que tenham errado os zésdirceus, os marcosvalérios, os genoinos, dudas, gushikens, waldomiros, delúbios, paloccis, okamottos, adalbertos das cuecas, lulinhas, beneditasdasilva, burattis, professoresluizinhos, silvinhos, joãopaulocunhas, berzoinis, hamiltonlacerdas, lorenzettis, bargas, expeditovelosos, vedoins, freuds e mais uma centena de exemplares dessa espécie tão abundante, desafortunadamente tão preservada do risco de extinção por seu tratador. Esses não erraram. Cometeram crimes. Não são desatentos ou equivocados. São criminosos. Não merecem carinho e consolo, merecem cadeia.

Obviamente, não perguntarei se você se lembra da ditadura militar. Mas perguntarei se você não tem uma sensação de déjà vu nos rompantes de nosso presidente, na prepotência dos companheiros, na irritação com a imprensa quando a notícia não é a favor. Não é exagero, pergunte ao Larry Rother do New York Times, que, a propósito, não havia publicado nenhuma mentira. Nem mesmo o Bush, com sua peculiar e texana soberba, tem ousado ameaçar jornalistas por publicarem o que quer que seja. Pergunte ao Michael Moore. E olhe que, no caso do Bush, fazem mais que simples e despretensiosas alusões aos seus hábitos ou preferências alcoólicas no happy hour do expediente.

Mas devo concordar plenamente com o Lula ao menos numa questão em especial: quando acusa a elite de ameaçá-lo, ele tem razão. Explica o Aurélio Buarque de Hollanda que elite, do francês élite, significa “o que há de melhor em uma sociedade, minoria prestigiada, constituída pelos indivíduos mais aptos”. Poxa! Na mosca. Ele sabe que seus inimigos são as pessoas do povo mais informadas, com capacidade de análise, com condições de avaliar a eficiência e honestidade de suas ações. E não seria a primeira vez que essa mesma elite faz esse serviço. Essa elite lutou pela independência do Brasil, pela República, pelo fim da ditadura, pelas diretas-já, pela defenestração do Collor e até mesmo para tirar o Lula das grades da ditadura em 1980, onde passou 31 dias. Mas ela é a inimiga de hoje. E eu acho que é justamente aí que nós entramos.

Nós, que neste país tivemos o privilégio de aprender a ler, de comer diariamente, de ter pais dispostos a se sacrificar para que pudéssemos ser capazes de pensar com independência, como é próprio das elites - o que, a propósito, não considero uma ofensa -, não deveríamos deixar como herança para os mais jovens presentes de grego como Lula, Chávez, Evo Morales, Fidel - herói do Lula, que fuzila os insatisfeitos que tentam desesperadamente escapar de sua “democracia”. Nossa herança deveria ser a experiência que acumulamos como justo castigo por admitirmos passivamente ser governados pelo Lula, pelo Chávez, pelo Evo e pelo Fidel, juntamente com a sabedoria de poder fazer dessa experiência um antídoto para esse globalizado veneno. Nossa melhor herança será o sinal que deixaremos para quem vem depois, um claro sinal de que permanentemente apoiaremos a ética e a honestidade e repudiaremos o contrário disto. Da mesma forma que elegemos o bom, destronamos o ruim, mesmo que o bom e o ruim sejam representados pela mesma pessoa em tempos distintos.

Assim como o maior mal que a inflação causa é o da supressão da referência dos parâmetros do valor material das coisas, o maior mal que a impunidade causa é o da perda de referência dos parâmetros de justiça social. Aceitar passivamente a livre ação do desonesto é ser cúmplice do bandido, condenando a vítima a pagar pelo malfeito. Temos opção. A opção é destronar o ruim. Se o oposto será bom, veremos depois. Se o oposto tampouco servir, também o destronaremos. A nossa tolerância zero contra a sacanagem evitará que as passagens importantes de nossa História, nesse sanatório geral, terminem por desbotar-se na memória de nossas novas gerações.

Aí, sim, Chico, acho que cada paralelepípedo da velha cidade, no dia 1º de outubro, vai se arrepiar.

Seu admirador número 1,
Zé Danon


*José Danon é economista e consultor de empresas

Corumbá