quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Dilma e seu relacionamento com a verdade

Dilma Rousseff parece ter especial vocação para se deixar envolver em situações esquisitas. Vive cercada de histórias mal contadas, versões retocadas, relatos conflitantes.

No início de 2008, ministros do governo Lula foram apanhados pagando despesas privadas com dinheiro público, através de cartões corporativos. Episódio que ficou conhecido como o “escândalo da tapioca”.

Em 16 de fevereiro daquele ano, jantando com 30 industriais, a ministra Dilma afirmou que “o governo não vai apanhar calado”. E revelou que as contas do governo anterior sofreriam uma devassa.

Dias depois começou a circular o famoso dossiê com os gastos do ex-presidente Fernando Henrique e da ex-primeira-dama Ruth Cardoso.

Confrontada com os fatos, Dilma afirmou que se tratava de um banco de dados para organizar as despesas com cartão corporativo, a fim de responder à CPI dos Cartões – que sequer tinha sido instalada.

Mesmo depois da publicação do dossiê, restando provado que tinha sido fabricado na Casa Civil, Dilma continuou jurando de pés juntos que se tratava de um banco de dados.

Ninguém acreditou, mas ela continuou insistindo no conto de fadas.

O segundo episódio que confrontou Dilma Rousseff com a realidade aconteceu recentemente. Foi o caso do currículo falsificado.

Descobriu-se que, na Plataforma Lattes do CNPq, que abriga currículos de professores universitários e pesquisadores de pós-graduação, o currículo de Dilma Rousseff registrava um mestrado e um doutorado em economia. Até o título da tese de mestrado estava lá.

Este currículo era o mesmo que estava  estampado nas páginas do Ministério das Minas e Energia e da Casa Civil.

Era falso. Dilma Rousseff não concluiu o mestrado, não defendeu tese. Não concluiu o doutorado. Não defendeu tese.

Confrontada com a realidade, ela reagiu dizendo que não sabia quem tinha invadido a Plataforma Lattes e as páginas do governo para escrever mentiras no seu currículo. Talvez não soubesse nem quem colocou seu currículo lá.

Para inscrever o currículo na Plataforma Lattes é necessário uma senha individual. Tudo bem, um hacker poderia ter invadido as páginas. Invadem até o site do Pentágono!

Mas a ministra Dilma Rousseff compareceu duas vezes ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2004 e em 2006. O vídeo dos dois programas circula na internet.

Para os que não estão familiarizados com o programa, no início o âncora lê o currículo do convidado. Nos dois o jornalista Paulo Markun lê o currículo falso de Dilma Rousseff.

E ela ouve sem mover um músculo. Impassível. Nem pisca.

Depois de apanhada, mandou retirar das páginas do governo as menções a um mestrado e um doutorado. Falsos.

Mas continua a sustentar a versão de que alguém invadiu as páginas e falsificou seu currículo.

Finalmente – será mesmo que acabou? – Dilma envolveu-se em mais uma confusão de versões desencontradas.

A ex-secretária da Receita Federal, Lina Vieira, cuja demissão nunca foi bem explicada, afirmou que foi chamada para uma conversa com a ministra-chefe da Casa Civil. No encontro a ministra lhe pediu que “acelerasse” as investigações sobre a família Sarney.

(Deixemos de lado a estranheza de uma chefe da Casa Civil chamar para uma reunião uma subordinada de outro ministro, sem que seu chefe esteja presente.)

A ex-secretária Lina Vieira entendeu que era para encerrar as investigações. Um processo desses é longo, e acelerar pode muito bem significar “acabar rapidinho”.

Dilma poderia dizer que tinha encontrado a ex-secretária, mas que tinham conversado sobre outros assuntos. Poderia dizer que tinha sido um encontro informal, por isso não estava na agenda de nenhuma das duas.

Isto é comum entre autoridades. Semana passada mesmo, o presidente Lula recebeu, fora da agenda, o senador Fernando Collor.

Mas não, Dilma Rousseff reagiu como Dilma Rousseff: autoritária, peremptória, categórica. Segundo ela, jamais teve uma conversa individual com a ex-secretária da Receita.

Mas Lina Vieira confirmou o encontro, em entrevista ao Jornal Nacional. E citou como testemunhas o motorista da Receita, sua chefe-de-gabinete e, mais importante, a principal assessora de Dilma Rousseff, Erenice Alves Guerra – aliás, envolvida também na elaboração do dossiê com as despesas de Fernando Henrique e Ruth Cardoso.

Diante disso, das duas uma. Ou bem Lina Vieira está mentindo, e Dilma Rousseff está moralmente obrigada a processá-la por danos morais.

Ou bem Lina Vieira está falando a verdade. E neste caso, Dilma Rousseff cometeu crime de prevaricação, quando um agente público toma conhecimento de um ilícito, ou propõe um ilícito e não tenta coibi-lo, para tirar proveito próprio.

E qual seria o proveito próprio? O apoio do PMDB à sua candidatura em 2010.

O agravante no caso da ministra Dilma é que, se Lina Vieira estiver dizendo a verdade, trata-se de interferência direta da ministra numa investigação muito séria, que envolve a Receita Federal e a Polícia Federal.

Dilma Rousseff ambiciona a presidência da República. Tem todo o direito.

Mas tem também o dever ético de dizer a verdade, esclarecer os fatos, para não entrar numa campanha que é tradicionalmente muito dura -- mas o prêmio é alto -- como alguém que tem relações cerimoniosas com a verdade.

Baseado em texto de Lucia Hippolito

Corumbá

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Maceió vai iluminar o lixão

Todos conhecemos a história do marido traído no sofá que resolveu a questão vendendo o sofá. Nas Alagoas, em vez que cuidar das crianças, vão cuidar do lixo. Vai ser cercado e iluminado. As crianças vão ficar do lado de fora, a olhar o lixão como uma vitrina inalcançável, brilhando sob a luz.

Por coincidência, Alagoas é o estado representado pelos dois combativos senadores: Renan e Collor. A coincidência continua: é o estado com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). É o único que nisso supera o Maranhão.

Outra coincidência: com IDH baixo, a mortalidade é alta, a taxa de vida também. Com a miséria, morrem mais cedo. São crianças que em geral nem têm avô que cuide de seus interesses.

As crianças, teoricamente, são o objetivo estratégico de todo político. São o Brasil de amanhã, os trabalhadores, os contribuintes, os eleitores, os cidadãos de amanhã. É fundamental que se saiba a diferença entre um lixão e uma boa escola. A boa escola é que traz as luzes para tudo isso. E o lixão de Maceió vai ser iluminado.

Texto de Alexandre Garcia

Corumbá

domingo, 9 de agosto de 2009

Elle está de volta!

O senador que na tarde da última segunda-feira, depois de uma caminhada firme e decidida, entrava no plenário para enfrentar o peemedebista Pedro Simon, era bem diferente do homem triste e apático que em dezembro de 1992 deixava a Presidência da República e entrava no helicóptero para uma viagem ao ostracismo que, assim se imaginava, seria só de ida.

– Quero que o senhor as engula (as palavras) e as digira como achar conveniente – disparou Collor, em desproporcional reação à citação de seu nome no confronto verbal que Simon travava com o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

Os gestos radicais, o alto tom da voz e o rosto transtornado não deixavam dúvidas: Elle está de volta e, mais perigoso por ter sobrevivido, ressuscitando fantasmas.

– Não tive medo. Percebi que ele estava disposto a tudo, mas não entendi a razão. Foi uma reação sem sentido – afirmou Simon para explicar a passividade com que reagiu à agressão.

Simon falava apenas da trajetória de Renan. No imaginário do senador gaúcho – que não esquece os olhos esbugalhados e intimidadores do interlocutor – vieram imagens de 1963, quando uma divergência normal que hoje seria resolvida com tapinhas no ombro e tratamento de “Vossa Excelência”, terminou numa das maiores tragédias da política brasileira. No mesmo ambiente e cenário radicalizado em que se transformou o plenário do Senado na última semana, o então senador Arnon de Mello, pai de Fernando, ao errar a mira contra seu adversário, o também senador alagoano Silvestre Péricles, matou com dois tiros quase à queima-roupa o colega acreano José Kairala, que morreu na hora.

O Collor que ressurge agora, 17 anos depois de deposto, é um novo lobo. Perdeu a antiga pele, mas não o vício de enfatizar a agressividade, mais intensa. Lembrava o adversário que, na campanha de 1989, silenciou o oponente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje seu líder, com a ameaça de revelar a famosa história do aparelho de som três em um com que o então candidato do PT teria presenteado uma amiga brasiliense. Na segunda-feira voltou a insinuar, mas não revelou que denúncias teria que pudessem envolver Simon.

O ar de superioridade e a arrogância estão mais acentuados e tão assustadores que os comandantes da tropa de choque escalada para blindar o presidente do Senado, José Sarney, decidiram tirá-lo da linha de frente por temer que a política evolua para a violência. Todo o roteiro do que vai acontecer no Senado foi costurado na quarta-feira pela manhã, quando a cúpula peemedebista reuniu-se para avaliar o texto do discurso de Sarney, na residência do presidente do Senado. Além dos escudeiros fiéis como Romero Jucá (PMDB-RR) e Renan, lá estava também o ex-ministro José Dirceu. Com sinal verde de Lula, o “chefe” – como Dirceu ainda é chamado pelos petistas mais chegados – acha que, se a CPI prosperar como quer a oposição, o que estará em jogo não é apenas o prestígio da Petrobras: a queda de Sarney deixaria o governo vulnerável e representaria o fim da candidatura de Dilma Rousseff.

Dirceu virou um consultor informal de Sarney. Além da obediência ao projeto de Lula – de alongar a permanência de seu partido no Planalto por mais de duas décadas – está devolvendo a Sarney o favor recebido quando enfrentou (e perdeu) o processo que resultou na cassação de seu mandato, em dezembro de 2005. Na ocasião a tropa de Sarney foi em seu socorro.

Quem manda na artilharia, toda ela a cargo do PMDB, é Renan. No Conselho de Ética e na CPI, a vanguarda está com Jucá. Pelo PT, fiel e obediente a Lula, Ideli Salvatti (SC), fará as manobras diversionistas, enquanto Delcídio Amaral (MS) a defesa técnica e institucional da estatal. É no Congresso um dos parlamentares que mais entendem de gestão de petróleo e gás e governança corporativa. A estratégia é bater na oposição e, se não for possível evitar por manobra, derrubar no voto os requerimentos mais venenosos. É assim, mirando armamento pesado contra a oposição, que o governo pretende inviabilizar a CPI da Petrobras/Sarney. O governo quer fazer do limão uma limonada, substituindo as denúncias pelo marco regulatório do pré-sal e um novo modelo de gestão para, como subproduto, reduzir a independência da Petrobras. Nisso, Lula e Collor pensam iguais: “A Petrobras é um Estado paralelo”, reclama Collor.

Um senador do PT antecipou que cada requerimento será apreciado à lupa na CPI da Petrobras. Será um café-da-manhã para cada requerimento, explicou. Na sexta-feira, havia perto de 100 na fila.

A decisão política é salvar Sarney a qualquer custo. Na avaliação do grupo que protege Sarney, o estilo truculento do ex-presidente Fernando Collor pode criar antipatia ainda maior na opinião pública. Collor faz pose de indiferença, mas não esconde o desprezo e a mágoa de jornalistas, “guardados em freezer”, embora ele mesmo tenha sido um deles – foi repórter da sucursal do JB em Brasília e vive de empresas de comunicação. Nesse momento, segundo a tropa de choque, ele personaliza o espírito de confronto gerado depois que Sarney, no discurso de quarta-feira, ao falar de ameaças de atentados que sofreu, deixou no ar o espírito beligerante.

A segurança do Senado está mais atenta. Mas como nenhum servidor tem coragem para submeter um parlamentar ao detector de metais ou revistá-lo, os riscos de algum senador entrar armado na Casa ou no plenário continuam tão altos como no passado.

– Os senadores têm foro privilegiado. Não passam no pórtico – justifica o chefe da Polícia do Senado, Pedro Ricardo Araújo Carvalho.

A única providência é uma aproximação dos seguranças sempre que os ânimos se alterarem, como aconteceu no ápice da guerra verbal, na quinta-feira, durante o bate boca entre Renan e Tasso Jereissati (PSDB-CE). Matéria prima para agravar o conflito é o que não falta.

Na terça-feira, um advogado entrou no gabinete de Pedro Simon com uma pasta na mão. Conversou com o chefe de gabinete e ofereceu um dossiê contra Collor. Disse que era enviado por Rosane Collor e que tinha documentos que poderiam encerrar, mais uma vez, o mandato do ex-presidente.

– Fui informado que ele estava no gabinete, mas não quis recebê-lo. Mandei que o dispensassem. Não trabalho com dossiês – explicou Simon ao JB.

O ex-presidente está separado de Rosane desde 2005, mas enfrenta um litígio complicado na justiça alagoana, motivado pela partilha dos bens do casal. Cassado em 1992 sob a acusação de ter autorizado o empresário Paulo César Farias, o PC, a organizar uma das mais bem azeitadas máquinas de corrupção já descobertas no país, Collor não está tão livre quanto tenta aparentar. Seu telhado ainda tem vidros. No Supremo Tribunal Federal (STF) responde a duas ações penais que tratam de suspeitas de sonegação fiscal, falsidade ideológica, peculato, corrupção passiva e ativa e tráfico de influência. Estão paradas por causa da imunidade parlamentar.

Na avaliação de um servidor do Senado que conversou com o advogado, é sobre essas suspeitas que Rosane teria juntado documentos supostamente inéditos. Cumprindo a sina profética da maldição da ex-mulher, Rosane não esconde que tem munição suficiente para mandar o ex-marido para casa novamente. Pior: diz que vai usar. A diferença é que desta vez, ao contrário de 1992, Collor partiu para o ataque e, por uma ironia de registro nos anais da ciência política, será defendido pelos mesmos acusadores que cassaram seu mandado de presidente.

Baseado em texto de Vasconcelo Quadros

Jornal do Brasil

Corumbá