sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sem palmadas

Enviado por Sandra Paulsen (*) - em 30/10

Acompanho com curiosidade as notícias que me chegam a respeito da proposta de legislação para proibir o castigo físico a crianças, no Brasil. Escrevi aqui - caso você não se lembre - a respeito do meu primeiro contato com a forma como a sociedade sueca vê a educação dos filhos.

Hoje em dia, são cerca de 25 os países que proíbem os castigos dos pais a seus “desobedientes”, mas a Suécia foi o primeiro a aprovar uma legislação nesse sentido.

Na escola sueca, a proibição aos castigos infantis data da Lei sobre a Educação, de 1958. Já o direito dos pais a utilizar os métodos que julgarem convenientes na educação de seus filhos foi abolido em 1966. No entanto, foi só a partir de 1979 que a legislação sueca proibiu explicitamente o castigo físico de crianças.

A cada vez que a discussão sobre as palmadas é trazida a público, no entanto, aqui ou em outros países, a controvérsia é inevitável. Mesmo quando a lei sueca foi aprovada, parece que mais da metade da população manifestava-se contra. Aparentemente, a lei deve ter tido um efeito educativo, já que, hoje em dia, não mais de dez por cento dos suecos teriam a coragem de defender publicamente o castigo físico na educação dos filhos.

Mas é bom lembrar, ainda, que também o abuso e a violência psicológica são passíveis de punição! Na verdade, aqui na Suécia, o castigo físico e a violência psicológica contra as crianças podem ser punidos como qualquer abuso contra um adulto. Ou seja, o criminoso está sujeito a multa e cadeia, dependendo da gravidade do caso.

Apesar de ter havido um natural aumento nos registros policiais de casos de violência contra crianças desde a aprovação da lei, quase 90% dos meninos e meninas suecos declaram jamais terem sido castigados fisicamente por seus pais.

Ainda assim, nos últimos tempos, são mais de cinco mil registros anuais de casos de violência, de palmadas a assassinatos, pura e simplesmente.

O assunto voltou aos jornais suecos, outro dia, por causa da discussão na Nova Zelândia. Naquele país, onde, em 2007, se havia aprovado uma “lei contra as palmadas”, houve, no ano passado, um referendo. À pergunta se uma palmada deveria ser considerada um crime, 87% dos votantes responderam um sonoro não.

O interessante é que, como parte da campanha pelo não, a Suécia era constantemente citada como exemplo de “cenário de terror”, onde o Estado se envolve na vida privada dos cidadãos e os pais perderam o controle sobre a família.

Agora tudo depende da pergunta, não é? A palmada deve ser considerada um crime? Provavelmente não. Mas dá para ficar contra uma lei que "estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante"?

Ninguém, em sã consciência, defende a violência. Todos gostariam de estabelecer relações baseadas em amor, respeito, diálogo e compreensão com suas crianças.

O grande temor, porém, é que uma lei que proíba as palmadas acabe por minar a já combalida autoridade dos pais sobre os filhos. E o problema é como não banalizar os casos sérios, já que a violência no seio da família é um estigma social, seja ela cometida contra as crianças ou contra os adultos.

A meu ver, o Q da questão não é aprovar uma lei. O grande desafio é identificar os casos graves, separar o cascudo ou a palmada da surra ou espancamento, fazer com que as vítimas se conscientizem da situação e contem os abusos sofridos, registrar a queixa policial, investigar, chegar a conclusões, punir os responsáveis e resolver o que fazer com as vítimas!

Aqui na Suécia, é nas escolas que os casos de castigo físico a menores costumam vir à tona. Só que, muitas vezes, em lugar de entrar em contato com a polícia, a escola chama os pais para uma conversa. Aí a investigação dos fatos se dificulta. Pense em um menino de 6 anos que, tendo “denunciado” sua mãe por maltrato, é colocado frente a frente com a “criminosa”. Se ele confirma a denúncia, a mamãe pode ir para a cadeia...

Outra alternativa, a de denunciar diretamente à polícia todas as suspeitas, pode levar ao caos! Depois de proibida de tomar sorvete e encher a paciência do pai durante o dia inteiro, Fulaninha, frustrada, bate no irmão menor. O pai, já irritado, aplica-lhe um nada pedagógico beliscão. Na primeira oportunidade, Fulaninha comenta na escola que os pais são maus e a castigam...

Com ou sem lei, a discussão e conscientização são sempre positivas. E a “lei da palmada” está de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança.

A intenções podem ser as melhores possíveis, mas muitas perguntas ainda ficam no ar: Como será aplicada a lei? Haverá um ombudsman para as crianças, como aqui? A polícia está preparada para investigar? O poder judiciário terá capacidade para acolher os processos? Para onde vão as crianças cujos pais sejam condenados por agressão? E os pais, vão para a cadeia?

(*) Leitora do Blog do Noblat, Sandra Paulsen, casada, mãe de dois filhos, é baiana de Itabuna. Fez mestrado em Economia na UnB. Morou em Santiago do Chile nos anos 90. Vive há mais de uma década em Estocolmo, onde concluiu doutorado em Economia Ambiental.

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